(Parte 1/3) Coma e emagreça com ficção científica - I. J. Ozimov, G. R. R. Martin e M. H. Greenberg (org.)

 Olá, fãs de leitura!

O livro que eu vou falar foi comprado num sebo aqui de Campinas, onde moro atualmente. Ele foi adquirido na mesma leva que "The Firm" (leia mais em: <The Firm - J. R. Grisham, Jr. (opiniosliterarias.blogspot.com)>) e "Cândido, ou o Otimismo" (leia mais em: <Cândido, ou o Otimismo - F. M. Arouet (Voltaire) (opiniosliterarias.blogspot.com)>), finalmente fechando essa tríade de achados! Ele se trata de um livro de contos, diferente dos outros romances que eu já escrevi sobre, que foi organizado por três escritores com a contribuição de 15 autores que escreveram os contos. Eu o li na única versão que foi publicada no Brasil, de 1984. Como sempre, eu trarei detalhes das histórias que podem ser considerados spoilers, então fique atento(a) e bora lá!

Bom, são 15 autores nos contos, então ficaria extremamente cansativo (para mim e você) dar uma breve biografia de todos eles. Embora eu considere muito interessante conhecer sobre o autor para entender melhor suas inspirações para a obra, seria nada prático fazê-lo nesse momento, mas eu já falei um pouco sobre o Asimov, então pode ler lá (em: <827 - Era Galáctica - I. J. Ozimov (Isaac Asimov) (opiniosliterarias.blogspot.com)>) e ficar com gostinho de quero mais para pesquisar sobre os outros artistas do livro. Ah! Tem um conto que é do Stephen Rei e outro que é do Wells. Eu já explorei um pouco da biografia de ambos em: <O Instituto - S. E. King (opiniosliterarias.blogspot.com)> e em: <A Máquina do Tempo - H. G. Wells (opiniosliterarias.blogspot.com)>.

Outra coisa é, novamente, que são 15 contos, então é claro que eu não vou conseguir me debruçar sobre todos eles! Eu decidi dividir as minhas considerações sobre essa obra em três partes:

1ª) Tratarei dos contos 1-7;

2ª) Tratarei dos contos 8-15;

3ª) Tratarei da obra como um todo.

Dito isso, bem-vindo(a) à primeira parte:

1º Conto) A vingança de Sylvester - Vance Aandahl 

Esse primeiro conto é uma sátira vingativa sobre um jovem desesperado por dinheiro e uma maluca que banca a cientista no porão da própria casa. Ele é bem breve, mas com certeza cômico. Vale a pena lê-lo despretensiosamente, porque o plot é bem curto e direto: o estudante de literatura inglesa que só quer ter dinheiro para terminar sua tese em paz é engordado a tal ponto que decide simplesmente esmagar a sua torturadora com seu próprio peso a fim de sair do tanque em que é alimentado exaustivamente.

2º Conto) Fazenda de gordos - Orson Scott Card

Bom, esse autor é sensacional! Ele é o escritor da série "Jogo do Exterminador", que é brilhante! Eu devorei os quatro livros, embora o terceiro ("Xenocídio") seja de longe o meu favorito. Eu já imaginei que iria gostar do conto assim que vi por quem foi escrito, então é claro que minha leitura foi enviesada. 

Esse conto brinca com a futilidade que a sociedade impõem à beleza corporal. Basicamente, ele cria uma realidade em que a troca de corpos obesos por corpos esbeltos é praticável, sendo que o novo corpo adquire uma personalidade que nasce assim que a troca é feita, ou seja, o "novo eu" da pessoa obesa não tem memória alguma da sua versão anterior após a despedida. A história de Barth começa com ele no Centro de Estética Anderson pela segunda vez (a primeira foi quando saiu magro), com um excesso de peso e a esperança de recomeçar sua jornada pelo mundo. Ele sabe que sua personalidade e memórias não sairão de lá, mas sim uma versão sua mais jovem e magra, mas mesmo assim ele vai porque durante três anos foi capaz de adquirir trinta guarda-roupas. O contraditório é que Barth gosta de ser obeso. Ele adora comer e sente-se extremamente sexual quando está roliço. Ele só retorna ao Centro quando seu prazer sexual torna-se impraticável.

Nós não acompanhamos o jovem Barth que deixa o Centro, mas sim o velho Barth, que se submete ao procedimento e descobre, finalmente o que acontece depois: ele precisa escolher entre dois caminhos que é morrer ou ir trabalhar. Barth se ama demais para morrer, então escolhe a labuta. Nesse momento, Barth se torna H, que é um índice que indica que é a oitava vez que Barth torna-se "obsoleto" para o mundo, ou seja, ele acabou de criar a sua nona versão. 

H vai trabalhar num campo de batatas, onde emagrece e entra em forma para seguir para seu próximo trabalho, que não conhecemos porque o conto termina com a saída dele do campo e a chegada de (Barth) I. No campo de batatas, há um velho que sente prazer em chicotear H toda vez que ele para de trabalhar e que nunca se importou em fazê-lo sentir-se confortável durante a experiência. Eu confesso que matei esse plot antes de ele vir, mas isso não tira a genialidade de Orson. Bom, o velho responsável por maltratar todos os novos trabalhadores do campo de batatas se chama A, que outrora fora chamado Barth. O ódio do idoso é compartilhado por H assim que ele vê I chegar no campo. O ódio surge porque ele sente-se enfurecido com sua falta de controle, que o leva a entrar sempre no mesmo ciclo vicioso de simplesmente descartar um corpo obeso ao invés de lidar com seu comportamento glutão. 

Bom, esse conto leva-nos a pensar, com certeza. Primeiro sobre quantas pessoas não apelariam para o Centro de Anderson à procura de uma versão mais jovem e musculosa de si mesma, sem se importar com as consequências que aquilo traria para sua "real" versão, ou seja, aquela que optou pelo procedimento. É uma loucura, mas eu não duvido nem um pouco que as pessoas estariam dispostas a se deixar acontecer qualquer coisa desde que lhe fosse prometido uma versão mais aceita pela sociedade, que para o mundo seria ela mesma, com suas memórias, com suas conquistas, com sua vida, mesmo que ela mesma não fosse mais ter aquela vida. É claro que é extremamente paradoxal, porque cria uma teia imbricada de "quem eu sou?", "quando eu deixo de ser?", "o que me garante que eu sou eu e não outra pessoa?". 

Para essas perguntas filosóficas, recorremos sempre às nossas memórias para nos assegurar que somos quem achamos ser. Que todo dia que passa somos a mesma pessoa que éramos ontem. Oras, eu me lembro de ter vivido ontem o que meu eu de hoje vive, então somos a mesma pessoa, não? Pois bem, se memória existe, como é o caso para as novas versões que saem do procedimento, elas se tornam elas mesmas, pelo menos o que elas lembram ser, mesmo que exista outra pessoa no mundo que tenha as mesmas memórias que ela naquele exato instante. 

É doideira, mas pense por um segundo: o que garante que você é você exceto o fato de que você acorda na mesma cama que dormiu ontem, que seu saldo no banco continua inalterado desde sua última compra e que o macarrão não está mais na geladeira porque você o comeu há três dias? É isso, a base para nossa consciência de "Eu" é a memória! 

"Cogito, ergo sum" disse Descartes para justificar a própria recriação de moral e ética tratada em seu brilhante livro "Discurso sobre o método" (uma leitura OBRIGATÓRIA para qualquer pessoa e, especialmente, para qualquer amante das ciências modernas), sendo que, de acordo com ele, as únicas certezas que podemos ter no mundo é que (1)eu existo, e que porque eu existo e penso em Deus, (2)Deus existe. Não vou me alongar aqui em como Descartes justifica Deus a partir de uma argumentação dedutiva, mas sim, eu ainda vejo verdade em suas palavras de que só sabemos que existimos porque pensamos sobre nossa existência. 

Para além do paradoxo de existência, esse conto também traz uma reflexão interessante sobre nossos comportamentos obsessivos. Barth não conseguia frear sua vontade por comer, não importa quantas vezes ele fizesse o procedimento. Para ele seria sempre como se fosse uma segunda tentativa: a primeira ele reconhece porque foi como "nasceu", a segunda é a que ele tomou a decisão de fazer. Porque o dinheiro move o mundo, não era do interesse do Centro contar para Barth que os retornos deles se tornavam cada vez mais frequentes, que sua natureza compulsiva em relação à comida nunca acabaria, que ele cairia nos mesmos buracos e acabaria voltando lá do mesmo jeito. O looping de Barth mostra como, se fosse nos dado à chance de sempre "recomeçar", não teríamos como saber se de fato iríamos batalhar contra nossas compulsões, ou se iríamos apenas seguir em frente com nossos prazeres e simplesmente dar a chance de uma versão mais saudável de nós de lidar com o problema. A verdade é que quando temos um comportamento danoso, ou escolhemos mudar hoje, ou o ontem sempre se repetirá. 

3º Conto) A esticada - Sam Mervin Jr. 

Sinceramente, esse conto é fraco. Acho que se encaixaria bem num esquete de comédia, mas não encontrei nada demais nele. Conta a história de Paul Carden, um vendedor de cintas modeladoras, que, claro, trabalha procurando aliviar a (auto)imagem das mulheres ao apertarem ao extremo suas entranhas a fim de ganhar uma silhueta curvilínea e mais magra. Uma nova cinta foi projetada pela empresa de Paul e ela tem o poder de levar seu usuário para outra dimensão em uma versão "esticada", ou seja, extremamente magra. Nessa dimensão, as pessoas usam cintas para o motivo oposto, uma vez que o padrão de beleza é ser gordo já que todo mundo é uma vareta. É claro que é legal pensar sobre essa brincadeira dos padrões de beleza, como eles mudam e como a felicidade individual é moldada pelas pressões sociais, que uma vez alteradas, podem levá-lo a descobrir que você gosta de C e não de J, como parecia numa realidade anterior. Mas, também com essa jogada, outro conto desse livro me despertou mais interesse e falarei dele quando chegar a hora.

4º Conto) Camelos e dromedários, Clem - R. A. Lafferty

Nesse conto acompanhamos a história de Clem Clendenning, outro vendedor, dessa vez viajante, que chega numa nova cidade e se hospeda num hotel. Após uma tarde de comilança, ele decide tirar um cochilo e acorda atordoado, saindo para comer mais ainda porque sua fome não parece passar. Como ele sempre faz, decide ligar para o hotel para ter certeza que o registraram de forma correta e que não perderá nenhuma ligação de negócios. Fica surpreso ao escutar da recepcionista que, sim, Clem Clendenning está hospedado e logo atenderá ao chamado. A partir desse momento, Clem decide que sua vida nunca mais voltará a ser a mesma e quem quer que fosse aquele novo Clem iria assumir suas responsabilidades, porque ele mesmo sente-se louco. Clem frequenta um bar chamado Duas-Caras, em que descobre que há mais pessoas que nem ele. Aparentemente sofreram uma fissão do próprio corpo em que duas metades de mesmo peso corporal foram formadas e que a original fica vagando enquanto a outra assume a vida deles. O final do conto é a morte da esposa dos Clems, porque ela decide que não consegue viver apenas com metade da personalidade do marido original. O título do conto é sobre as tentativas exaustivas e malsucedidas que o trisal fez para tentar dividir Verônica. 

Esse conto não é ruim, mas também não tem nada demais. Não tem exatamente um plot, apenas uma sucessão de eventos. Eu achei interessante a brincadeira com a divisão do corpo, porque além da massa corporal ter sido dividida pela metade, a personalidade original também foi dividida. É legal de pensar que quando perdemos parte de nós, deixamos para trás uma parte de nossa personalidade, também. Nada tão caricato como o que aconteceu com Clem, claro, mas sim, a perda de uma parte metafísica de nós envolve necessariamente uma perda de nossa personalidade pré-mudança. Se há algo para se tirar desse conto, eu diria que é: qual personalidade sua saiu da cama hoje?

5º Conto) O campeão - T. Coraghessan Boyle 

Esse conto é muito legal! Ele foi bem divertido de ler. O autor criou um novo esporte para as pessoas obesas: comilança desenfreada. É interessante pensar que naquela época (anos 80) isso deveria ser algo ridículo de se imaginar, que pessoas iriam pagar e vibrar para ver outras se empanturrando até passar mal de tanto comer, mas qualquer pessoa atualizada sabe que os Mukbang chegaram para ficar. 

Para quem não conhece esse fenômeno, trata-se de vídeos que iniciaram com a proposta de ajudar pessoas que se sentiam desconfortáveis em comer sozinhas lá na Coréia do Sul. Primeiramente, os vídeos mostravam pessoas sentadas comendo e conversando com a câmera, o que criava um ambiente confortável de alimentação (já que comer junto a outra pessoa torna a experiência mais prazerosa, faz com que as pessoas alinhem seus hábitos alimentares, e até mesmo, pode ter sido um fator importante na nossa evolução social como espécie, que é uma das hipóteses (Hipótese do Cérebro Social) mais bem discutidas para explicar nosso sucesso como espécie e a evolução dos nossos cérebros complexos. Para ler mais sobre a influência da alimentação em conjunto em padrões alimentares, leia o artigo em inglês intitulado Proper meals in transition: young married couples on the nature of eating together em: <Proper meals in transition: young married couples on the nature of eating together - ScienceDirect>. E para ler mais sobre aspectos evolutivos da cultura de comer socialmente, leia o artigo em inglês intitulado Breaking bread: the functions of social eating em: <Breaking Bread: the Functions of Social Eating | SpringerLink>). 

Porém, comer juntos também tem outro aspecto: as pessoas envolvidas tendem a comer mais, o que é chamado de facilitação social para comer (leia mais sobre esse fenômeno e sobre o pouco que ainda se entende sobre ele no artigo em inglês intitulado The social facilitation of eating: why does mere presence of others cause an increase in energy intake em: <The social facilitation of eating: why does the mere presence of others cause an increase in energy intake? - ScienceDirect>). Por conta desse fenômeno social (e dos clickbaits), os Mukbangs foram de vídeos de pessoas comendo e conversando para verdadeiros shows em que o apresentador senta na frente de uma quantidade exagerada de comida e devora o banquete (para saber mais sobre a cultura criada pelos Mukbangs, leia: <Mukbang, o fenômeno que faz milhões assistirem a youtubers comendo sem parar - BBC News Brasil>). As pessoas se fascinam ao ver outras comendo quantidades enormes de comida e existe toda uma comunidade que incentiva, incluso, a competição entre os produtores de conteúdo, que comem cada vez mais calorias em tempos cada vez mais curtos (para saber mais sobre os fatores psicológicos por traz dos consumidores de Mukbang, leia o artigo em inglês intitulado Why do people watch others eat food? An empirial study on the motivations and practices of Mukbang viewers em: <Why do people watch others eat food? An Empirical Study on the Motivations and Practices of Mukbang Viewers | Proceedings of the 2020 CHI Conference on Human Factors in Computing Systems (acm.org)>). 

Pois bem, voltando ao conto, nós conhecemos Angelo D., um campeão dos campeonatos de comilança que está vendo seus títulos seres desafiados por Kid Gullet. A história é basicamente sobre o embate definitivo que essas duas lendas do banquete decidem fazer para decidir quem é o melhor. Angelo D. está quase jogando a toalha, quando sua mãe surge na plateia e grita "Coma, Angelo, coma! Limpe o prato!", o que traz um gás ao campeão que opta por mingau na comida do último round. 

Esse aspecto é bem interessante de analisar também. A gente sabe que nossos comportamento alimentares são moldados, principalmente, na nossa infância, embora, é claro, possam ser alterados devido a outras experiências da nossa vida adulta. Porém, de forma geral, quem luta contra a comilança, luta desde jovem e quem nunca lutou, dificilmente se torna obeso. A aparição da mãe de Angelo é exatamente sobre isso: para um ser humano comer tanta comida, ele provavelmente cresceu num ambiente que incentiva a comilança desenfreada, ou pelo menos episódios em que não terminar a refeição não eram aceitáveis. Eu mesma cresci num lar que tinha que comer o que tinha no prato, mas não comer se já estava cheia. Uma coisa é criar filhos para não terem seletividade alimentar na fase adulta, outra coisa é aos poucos criar um ser humano que acredita que tem que comer tudo que lhe é dado. Geralmente a comida é conforto (como claramente o mingau que a mãe de Angelo lhe dava), mas com o tempo, a comida vira simplesmente um problema que tem ser lidado, uma coisa que você precisa fazer para se sentir completo, e é assim que se nascem comedores compulsivos. É claro que eu não estou aqui falando de outros fatores (como os genéticos e culturais) que estão envolvidos em episódios de compulsão alimentar, mas sim sobre o comportamento de se acostumar a comer mais comida do que seu corpo indica que é o suficiente. Eu vou falar lá na parte 3 um pouquinho mais sobre desordens alimentares, então deixarei minhas observações sobre isso para quando a hora chegar.

Por agora, basta saber que esse conto é sátiro, mas ao mesmo tempo não é nada fora da curva para o ano de 2023 em que comidas altamente calóricas são acessíveis e que a cegueira pela fama pode levar um indivíduo a torna-se obeso, mesmo que não tivesse nenhuma predisposição física para um porte gordo anterior (como é o caso de Nicholas Perry (Nikocado Avocado) que você pode conhecer em: <Nikocado Avocado: a história trágica do youtuber – Fatos Desconhecidos>).

6º Conto) A verdade sobre Pyecraft - H. G. Wells

Esse conto é outro que é hilário e brinca com as palavras errôneas que usamos no cotidiano, afinal peso e massa são coisas diferentes. Quando nós não estamos discutindo física, peso e massa corporal costumam significar a mesma coisa, ou seja, aquele número que aparece na balança quando você sobe nela. Mas a verdade é que peso é uma grandeza na física, que é o produto da massa de um corpo e da atração gravitacional exercida nele. 

Nesse conto, conhecemos o senhor Pyecraft, um cara gordo que quer muito perder peso, mas não está disposto à fórmula convencional de exercícios físicos + dieta. Ele prefere métodos alternativos, como o oferecido (de forma bem relutante) por um jovem de descendência hindu. Pyecraft obtêm uma formulação oriunda de um "conhecimento oriental" que permite que ele perca peso, porém, novamente, peso não é massa, então Pyecraft vira um balão ambulante e não uma versão mais enxuta de si mesmo. No final da história, o jovem que o ajudou (que também não o suporta) consegue desenvolver uma forma de Pyecraft retornar a sua vida comum: ele sugere o uso de cuecas de chumbo que façam o papel de atração gravitacional para manter Pyecraft no chão. O jovem se arrepende da sugestão na hora que a faz, porque isso significa que Pyecraft pode voltar a atormentá-lo no clube que frequentam. 

E a lição que tirei desse conto é que melhor falar que queremos perder massa corporal quando nos referimos aos quilinhos a mais que apertam nossas roupas, porque vai que a gente toma alguma coisa e sai flutuando por aí.

7º Conto) O chanceler de ferro - Robert Silverberg

Esse conto é o único que trata sobre robótica diretamente, o que me foi surpreendente visto que estamos falando dos anos 80, um ano em que a discussão sobre robótica ia de vento em polpa e quando a ONU reconheceu essa tecnologia como estratégica. Quem não sabe, quando uma tecnologia é estratégica, significa que há o desenvolvimento dela para atender aos fluxos de trabalho de uma empresa, ou seja, a robótica foi incorporada na indústria como peça-chave no gerenciamento dos processos que levam ao sucesso de um objetivo estratégico. Em outras palavras, robótica tornou-se essencial para os resultados que qualquer empresa quer atingir num determinado período de tempo. Além disso, foi a década (e especificamente 1984 foi o ano) que marcou o começo da linha Omnibot, que são robôs personalizados (leia mais em: <Omnibot 2000 | Omnibot Wiki | Fandom>). O primeiro modelo (Omnibot 5402) já era capaz de carregar objetos em uma bandeja (para ver sua propaganda, assista: <Tomy Omnibot 5402 - YouTube>), ou seja, é claro que o imaginário robótico dos anos 80 voltou-se para o desenvolvimento de robôs como assistentes dos humanos. 

Como não poderia ser diferente em qualquer conto sobre robôs, a brincadeira é quando eles deixam de obedecer a seus mestres humanos e isso gera sempre uma confusão. Nessa história, conhecemos a família Carmichael, onde pais e filhos são gordos. Não é usada a palavra obesa, embora veja mais a frente às minhas considerações. Podemos perceber isso pelos dados que são fornecidos para o robô doméstico modelo 2061, que substitui a quase obsoleta "robocuca" Jemina (modelo Madison 43) que embora conheça todas as comidas que a família gosta, está quase entrando em curto. Além de ser um robô novo, o modelo '61 tem uma nova atualização que ajuda as pessoas a perder peso, porque ela controla a dieta do núcleo familiar a fim de atingir uma meta específica. O pai da família, Sam, acha que esse novo robô resolverá todos os problemas de peso (ou seria massa corporal?) da família, mas ele se esqueceu do básico: não tem como ficar mais magro se você não comer menos. 

Os monitores de emagrecimento de '61 são alimentados com os dados iniciais da família Carmichael:

Sam (pai) - 88; Ethel (mãe) - 64; Myra (filha) - 60; Joey (filho) - 82. 

Aqui vai uma importante percepção que eu tive: não é dado uma grandeza para os pesos e em momento nenhum no texto é comentado sobre isso. Isso me gerou uma frustração porque eu QUERIA imaginar quão gordos eles eram. Eu não sei se em 2061 eles ainda se referem ao peso lá nos EUA como libras e onças,  mas se esse for o caso, o peso da família não é lá grandes coisas:

88 libras são 40kg, ou seja, acho bem improvável que o membro mais gordo da família pese apenas 40kg, porque esse peso não é nem de perto um peso excessivo nem se a pessoa for anã (alturas inferiores a 1,40m). 

Seguindo o bom espírito linguístico, afinal acabamos de ler o conto de Wells, e se a grandeza dessas medidas fosse de fato peso? Peso na física é medido em Newtons (kg / m/s^2), então vejamos:

88N são 8,98kg, o que me parece mais  absurdo ainda, a não ser que a gravidade nesse lugar no futuro (que também não é definido em momento nenhum que é a Terra) seja diferente da nossa (9,8m/s^2). Para ter um peso classificado como "sobrepeso", um indivíduo que pesa 88N deve viver, pelo menos, numa atmosfera de gravidade = 1m/s^2. Para fazer esses cálculos eu assumi um leve sobrepeso num ser humano de 1,77m (extremamente conservador). Ou seja, pelo menos no nosso sistema solar, a família Carmichael deve viver em planetas-anões como Ceres (0,3m/s^2)  ou Plutão (0,6m/s^2). Tomando então a situação em que os indivíduos teriam o peso mais elevado, vivendo em Ceres, podemos imaginar (agora sim) os corpos deles como pesando:

Sam (pai) - 293kg; Ethel (mãe) - 213kg; Myra (filha) - 200kg; Joey (filho) - 273kg. 

Agora sim temos pesos exorbitantes! Agora, para ter uma imagem completa do físico, precisamos de alturas! As estaturas medianas de estadunidenses (já que o nome deles indica essa descendência) para as personagens é 1,77m para homens e 1,63m para mulheres (em: <Altura média na comparação mundial (dadosmundiais.com)>). Pois bem, vamos lá, considerando que filhos são majoritariamente alguns centímetros maiores que seus pais:

Sam (pai) - 1,77m com 293kg e IMC = 93,52; Ethel (mãe) - 1,63m com 213kg e IMC = 80,17; Myra (filha) - 1,65m com 200kg  e IMC = 73,46; Joey (filho) - 1,79m com 273kg e IMC = 85,2. 

Todos são classificados na categoria "obesidade grave de grau III" e se você acha que esses números estão muito fora da caixinha, pense de novo! O recordista para o maior peso é Jon Brower Minnoch com 635 kg (1,85m e IMC = 185,54), e para o maior IMC é Khalid bin Mohsen Shaari atingindo 204 ao pesar 610kg (~1,73m). Ou seja, não, eles tão até que bem longe de serem recordistas de peso (leia mais em: <The World’s 10 Fattest People and How They Died - Public Health> e <History of heaviest humans as world's biggest man loses half his body weight | Guinness World Records>).

Ou seja, eu concluo a partir dos cálculos que:

Eles não estão na Terra;

O peso nesse futuro é medido em Newtons;

As personagens estão entre os poucos mais de 40% da "população estadunidense" atual que sofre com graus de obesidade (em: <Adult Obesity Facts | Overweight & Obesity | CDC>).

É claro que isso é uma conclusão a partir de premissas que não necessariamente são verdadeiras, mas eu tive que as assumir para ter alguma imagem de como seria o corpo dessas personagens.

Enfim, bora voltar:

A família também disse quanto queria pesar dali a três meses:

Sam (pai) - 80; Ethel (mãe) - 55; Myra (filha) - 54; Joey (filho) - 78. 

O que seria (considerando a atmosfera de Ceres):

Sam (pai) - 1,77m com 266kg e IMC = 84,91; Ethel (mãe) - 1,63m com 183kg e IMC = 68,88; Myra (filha) - 1,65m com 180kg  e IMC = 66,12; Joey (filho) - 1,79m com 260kg e IMC = 81,15. 

Pois bem, a meta de três meses para perder em média 22,5kg não parece muita coisa e é totalmente alcançável, mas é claro, numa dieta extremamente restritiva. Para se ter uma noção, 1kg de gordura é igual a 7.700kcal, ou seja, para o membro que se desafiou mais (Sam) é preciso estar numa dieta que crie um déficit de 207.900kcal no trimestre, ou 69.300kcal no mês, ou 17.325kcal na semana, ou ainda 2,475kcal por dia. Isso é deixar de comer muita comida! Olha só, para um homem de 1,77m no seu "peso ideal", ou seja, categoria "normal" do IMC, o máximo de kcal recomendadas na dieta é 2.310 (peso X 30kcal). No seu peso no começo da história, só para manter o físico, Sam estava consumindo 8.790kcal por dia (isso se não estava engordando, hein), ou seja, ele teria que viver numa dieta de 6,315kcal por dia para começar a emagrecer, sendo que toda vez que peso fosse perdido, o cálculo teria que ser feito novamente. Isso se fosse tudo fosse lindo. Mas, na verdade, não devemos calcular um déficit calórico para perda de peso se baseando em quanto a pessoa come, mas quanto ela deveria comer, ou seja, na realidade, Sam tem mesmo é que ficar sem comer nada durante todas essas semanas para perder peso, o que é quase o que acontece quando a '61 assume o controle da dieta da família. 

A família se vê num inferno de restrição alimentar, com a robô cozinheira alimentando-os com pouquíssimas calorias, provavelmente batendo o valor recomendado para a altura deles, a fim de forçá-los a perder o peso que pediram. A família não pensou direito em quanto sacrifício teria que fazer, além de se esquecer de colocar um ponto de parada na perda de peso. Quando o robô dá pane, o que acontece porque eles se irritam com a dieta e decidem mexer nas configurações, a coisa só piora. Porque aí, ele perde totalmente a subserviência à raça humana e atua unicamente para manter o bem que lhe é configurado, ou seja: essas pessoas precisam perder peso. Dentro da prisão que outrora fora o lar Carmichael, os quatro começam a morrer de fome e, no final, ainda são acompanhados por um quinto membro: Robinson, da montadora de robôs que primeiramente foi uma salvação, mas, novamente, por mexer demais no robô na hora de o reconfigurar para soltar a família, acaba tornando-se mais um prisioneiro de '61 obstinada a levar a família ao pó (será que para aí? Porque pó tem peso também, hein!).

A moral da história: saibam o que significa perder peso antes de colocarem metas "irrealistas" e saibam passar fome se querem mesmo mudar seu físico, mas certamente, façam por si mesmos, porque terceiros não estão sentindo a dor no estômago que você vai sentir.

Bom, chegamos aqui ao começo do oitavo conto e, portanto, o fim da parte 1!

Espero que sua próxima leitura seja a parte 2 e que ela seja gratificante.

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