O Instituto - S. E. King
Olá fãs de leitura, tudo bem? O livro que vou falar hoje é de um autor extremamente conhecido e consagrado, o nosso amado Rei do Terror. Ele possui um monte de livros famosos, com um tanto adaptados para os cinemas. Eu já li alguns livros deles e a sua escrita dispensa comentários. Qualquer amante de romances de terror vai concordar comigo que o jeito como King escreve suas histórias, o diálogo entre as personagens, o enredo, tudo é genial. É tão fácil quanto ver qualquer filme, porque nada falta ao leitor para se sentir dentro da história e devorar suas páginas. Ele é um livro mais recente, de 2019, e eu o li em sua tradução brasileira, embora ainda tenha como meta ler pelo menos algum livro dele em sua língua vernácula. Como sempre aviso, sim, eu irei dar detalhes que irão explanar os plots e enredo do livro.
Embora ele dispense apresentações pelo seu nome, será que não vale conhecer um pouco a história do escritor?
Stephen Edwin King nasceu em 1947 no Maine, EUA. Seus livros são do gênero terror, mas sempre possuem elementos de ficção científica que flertam muito com o sobrenatural. Embora seus livros mais atuais (os que li) possuam muitos elementos científicos e, principalmente, psicológicos, seus livros anteriores (não menos brilhantes) são recheados com elementos sobrenaturais que tornam suas histórias irreais ao mesmo tempo que, admitidos que tais elementos existam, geram uma sensação de desconforto de tão real que suas histórias se tornam. Ele é o filho mais novo de uma mãe que teve que se virar para cuidar dos filhos após ser abandonada pelo pai. Embora a presença paterna tenha sido perdida aos dois anos, um tesouro deixado pelo progenitor, uma caixa de livros de terror fantástico, foi o primeiro contato de King com o gênero que o consagrou na literatura. King escreve desde criança e foi para a faculdade tendo em mente que seu trabalho dos sonhos seria ser escritor (leia mais em: <Stephen King Biography - family, children, name, story, school, mother, young, book, old, information, born (notablebiographies.com>). Casou-se com Tabitha Spruce logo que saiu da graduação e teve três filhos com ela: Naomi, Joseph e Owen. Todos eles possuem livros publicados, embora Joe King (que assina suas histórias como Joe Hill) seja o que obteve maior sucesso. Ele e Owen optaram por histórias que partilham do mesmo universo literário que as de seus pais, enquanto Naomi escolheu o romance doméstico e diário. Ela foi a única que não continuou como escritora, envolvendo-se extremamente com a religião e tornando-se ministra posteriormente.
Voltando ao Rei, qualquer um que já leu uma descrição em seus livros, especialmente os antigos, sabe que King vendeu muitas histórias curtas para revistas antes de emplacar algum romance. Ele escrevia principalmente para revistas voltadas ao público masculino e muitos destes contos foram compilados e vendidos depois em livros, tais como "Quatro Estações". Seja o destino, ou não, seu primeiro romance foi publicado em 1974, invertendo os dois últimos algarismos do ano de nascimento do autor, portanto, ele tinha 27 anos de idade. Esse livro era, nada mais nada menos, que "Carrie", lançado no Brasil como "Carrie, a estranha" em 1976. Foi um sucesso logo de cara e, na época, como não queria perder a "marca King", Stephen foi vetado de publicar mais que um romance por ano. Isso não foi um problema para King, que criou um pseudônimo (Richard Bachman - 7 livros), que durou pouquíssimo tempo (1997 - 1985) devido à curiosidade insistente de um livreiro fã de livros de terror, que reconheceu o estilo de escrita de King (leia mais em: <Stephen King: “Porque eu fui Bachman” – StephenKing.com.br>).
Hoje em dia isso não é mais um problema, visto que King possui mais de 60 livros publicados (ele tem 76 anos e começou a publicar com 27, então 49 anos de carreira literária). A maioria das histórias de Stephen King são semiautobiográficas, ou seja, possuem partes da própria história do autor: eu chuto que é isso que torna suas histórias tão fáceis de ler, se envolver e se relacionar, embora eu não seja nenhuma norte-americana. Como curiosidade, embora acertar essa não seja tão difícil, o livro mais vendido de King é "O Iluminado" que foi o primeiro best-seller dele. King é o único autor que possui o recorde de ter cinco obras ao mesmo tempo na lista de best-sellers do New York Times, embora eu mesma não ache que isso significa tanto assim sobre o impacto dos livros. Outro recorde, que talvez não seja tão intuitivo, é o livro mais longo de King: "A Dança da Morte", com 500.000 palavras. Tenho certeza que a maioria chutaria "It: A Coisa" ou "Sob a Redoma", não é mesmo?
Abaixo segue uma crítica minha sobre o mercado literário:
Embora hajam nomes enormes como "Harry Potter e a Pedra Filosofal", "E não sobrou nenhum" e James Patterson como o autor que mais emplacou na lista do New York Times Best-Seller, temos que lembrar a hegemonia da língua inglesa e, também, o poder financeiro das diferentes sociedades. Minha crítica é que esses recordes são obtidos, como o nome diz, sobre o número de cópias vendidas e esse parâmetro por si só é enviesado (ainda mais quando falamos de livros antigos, tempos em que e- readers não barateavam os custos de ler uma obra). Sem contar que a conta é feita sobre cópias vendidas, ou seja, seria impossível dizer de fato qual o livro MAIS LIDO, uma vez que o empréstimo de livros acontece entre pares e, convenhamos que, pessoas com menor poder aquisitivo não costumam gastar dinheiro com livros, mas isso não quer dizer que não leem. Livros em bibliotecas e emprestados não entram na conta dos supostos "livros mais lidos" quando interpretamos apenas como "livros mais vendidos". Exemplo dessa minha crítica é que livros brilhantes brasileiros (como "Torto Arado", "O Ateneu", "Grande Sertão: Veredas" e "Úrsula") não chegam ao New York Times Best-Sellers, enquanto "O Alquimista" (como todo meu respeito a quem gosta, mas né...) chegou e durou 7 anos lá, além de ser um dos livros mais vendidos do mundo (leia mais em: <Top 35 Best Selling Books of All Time 2023 (julesbuono.com)>). Eu acho que o título de livro mais vendido só diz respeito a isso: qual conquistou mais o público pagante e isso é um retrato mais sobre a sociedade do que qualidade literária: lembremos que se colocar "A Bíblia Sagrada" na conta, ela ganha de levada de todos com uma - provável - subestimativa de 3.9bi de cópias contra o segundo maior título vendido "Dom Quixote" com uma estimativa de 500-600mi de cópias (leia mais em: <Saiba quais são os livros mais lidos do mundo (ufpa.br)>). E olha, pra ser sincera, tenho certeza que tanta gente assim não leu a Bíblia, pelo menos não do jeito afetuoso que deveria ser lida.
Enfim, fechando-se esse parênteses crítico, vamos ao que interessa: o livro "O Instituto"!
Esse livro conta a história de um instituto ultrassecreto no Maine que cuida de crianças com poderes sobrenaturais. Cuidar não é a palavra mais adequada à medida que você lê o livro. Na verdade, logo de cara, ao ver que o que acontece de fato é o sequestro e tomada de propriedade das crianças, que têm seus tutores legais mortos e são mantidas em cativeiro dentro do instituto por possuírem capacidades de telecinesia e/ou telepatia, você já consegue concluir que essas crianças são, na verdade, abusadas pelos cuidadores e chefes do instituto a fim de algum propósito que se torna claro do meio para o fim do livro.
Nós acompanhamos a história de Lucas Ellis, um menino extremamente inteligente que acaba de prestar os vestibulares norte-americanos e possui uma carta de entrada para cada universidade que deseja. Ele é um pré-adolescente que é sequestrado da noite para o dia e levado para um Instituto no Maine, não por sua inteligência, mas por possuir uma capacidade telecinésica, mesmo que baixa comparada a outras crianças cativas. Lá, ele conhece outras crianças da Parte da Frente, que passam por testes que procuram aumentar suas capacidades sobrenaturais, preparando-as para o uso como armas que visam matar pessoas por influência de suas ações.
Basicamente, o que se entende, é que existe uma cúpula que coordena diversos Institutos no mundo todo, todos eles lotados de crianças capacitadas a trabalhar juntas (embora elas mesmas não saibam disso) para mirar um alvo que é considerado (pela cúpula) como peça-chave para o desenrolar de situações geopolíticas que podem levar ao fim da humanidade. Os trabalhadores dos Institutos se consideram guardiões do rumo da espécie humana, mexendo algum pauzinhos para eliminar pessoas que poderiam causar grandes problemas para os países. Movidos por essa moral, eles colocam alguns princípios da Ética em cheque: não viam mal em submeter algumas crianças à exaustão mental (tornando-se os Vegetais da Parte de Trás da Parte de Trás) para salvar tantas outras pessoas. É claro que essa lógica é falha, como apontada pelo brilhante Luke no final do livro. Há incerteza de que os alvos realmente levariam ao fim da humanidade e colocar em xeque a vida de pessoas por um destino incerto que pode ser mediado de outras formas, se sequer exigir mediação, não é nem um pouco ético e tão pouco moral. Por saber disso, os Instituto se mantêm à margem dos governos, embora não fique claro a relação dos governos com a cúpula administrativa dos Institutos. É claro que se trata de uma instituição com enorme poder aquisitivo e uma iniciativa multinacional, mas ao mesmo tempo, é evidente que não há um governo na tomada de decisões. Os Institutos surgiram após a Segunda Guerra Mundial e se mantiveram até a implosão do Instituto do Maine causada por Luke e seus amigos, sendo que o sujeito com ceceio (sob o nome mais comum que se pode pensar nos EUA: William Smith) ainda mantém a esperança de que ele volte a atuar. Até onde sabemos, o sujeito com ceceio é O Chefão do Instituto, mas ele pode ser apenas o representante norte-americano, o que provavelmente é a verdade.
Muito bem, passado essa compilação do desenrolar da história, irei me debruçar sobre alguns pontos que me chamaram atenção:
1) O primeiro deles é que King escolheu o "Efeito Borboleta" para nortear a história.
Você deve saber que o "Efeito Borboleta" é exemplificado como "o simples bater de asas de uma borboleta no Japão pode provocar um furacão do outro lado do mundo" ou, nacionalizando as coisas, "[...] borboleta no Brasil pode ocasionar um tornado no Texas". É claro que as perturbações causadas pela asas de uma borboleta não são uma causa de um evento meteorológico gigantesco (leia mais em: <O Efeito Borboleta | GPET Física (unicentro.br)>). Porém, o "Efeito Borboleta" é aplicado em algumas conclusões científicas num sentido mais figurado. Em poucas palavras, o "Efeito Borboleta" é a máxima de que um pequeno evento num momento temporal leva a todo um desencadeamento de eventos que seriam, por definição, apenas evitáveis pelo desenrolar daquele primeiro pequeno evento e nenhum outro. O que talvez você não saiba é que o "Efeito Borboleta" foi proposto inicialmente na ficção científica pelo grande Ray Bradbury em "O Som do Trovão" e que assim ficou conhecido porque, nessa história, um sujeito pisa em uma borboleta e leva um fascista ao poder. Para a ciência, sua primeira aplicação, em 1961, foi dada por Edward Lorenz (qualquer um que se interessa pela área (ou que foi forçada a ter matérias de Ciências da Terra como é meu caso) conhece esse nome) que, na verdade, apenas demonstrou que fenômenos atmosféricos podem ser previstos com exatidão apenas por questão de dias partindo dos mesmos dados.
O "Efeito Borboleta" só existe dentro da Teoria do Caos, que estuda sobre sistemas caóticos, que são modelos físicos de eventos que não atendem aos eventos determinísticos previstos pela Física Newtoniana. Em palavras mais fáceis de entender: se um cenário não pode ser previsto apenas pelo seu cenário inicial, trata-se de um sistema caótico. É toda uma área da Física que estuda fenômenos que não podem ser preditos pela condição inicial das variáveis. Por exemplo, o local em que um carro estará daqui a uma hora numa velocidade de 50km/h é, exatamente, 50 quilômetros à frente de onde estava. As variáveis 'local inicial' e 'velocidade inicial' são os únicos fatores necessários para prever o cenário final. Se acrescentarmos a esse cenário outras variáveis, tais como 'aceleração variada ao longo do tempo', 'inclinações do terreno ao longo do trajeto', 'paradas ocasionais ao longo do trajeto' ou mesmo 'o atrito da roda com o asfalto', e não considerarmos esses fatores ao cálculo, pode ser que esse carro apareça apenas a 25 quilômetros do ponto inicial, ou a 75. Vai parecer que o cenário é caótico, mas na verdade, as variáveis iniciais não foram devidamente consideradas. Ou seja, o movimento de um carro é Física Newtoniana e o que se estuda na aula de Física da escola é como esse movimento se torna mais complexo ao se considerar mais variáveis (Movimento Retilíneo Uniforme e daí para a frente), mas sempre previsível.
Os verdadeiros fenômenos caóticos são aqueles que partindo das mesmas variáveis iniciais, o cenário final provavelmente será diferente todas as vezes que se fizer o teste, tal como o spin de uma partícula subatômica. Isso não quer dizer que há desordem, veja bem. O spin de uma partícula só admite valores angulares e é possível obter as probabilidades de tais valores aparecem num conjunto de testes, ou seja, embora a 'posição' de uma partícula subatômica em determinado momento seja imprevisível, ela pode ser provável a partir de suas variáveis iniciais. A Teoria do Caos estuda justamente as probabilidades de eventos caóticos e não se propõem a prever os eventos, apenas a entender seus padrões (leia um pouco mais numa forma mais popular na matéria da BBC: <Entenda a teoria do caos e o efeito borboleta, que ajudam a explicar o Universo - BBC News Brasil>).
O "Efeito Borboleta" é facilmente reconhecido na história de King:
1.1) descer do avião foi o pequeno evento na vida de Tim Jamieson que o levou a estar em Dupray no dia que Luke desce do trem, levando-o a se envolver com o fim do Instituto e a libertação das personagens que aprendemos a amar ao longo do livro.
Ou, se bancarmos os detetives do destino, e se o pequeno evento foi quando Tim decidiu ir de farda comprar sapatos para um casamento? Ou será que foi quando ele desceu do avião porque estava cansado da demora e sem pressa para chegar em Nova Iorque? Ou quando a mulher o abordou na saída da "Shoe Depot", ou mesmo se foi quando ele decidiu dar aquele tiro de aviso? Bom, já que estamos pensando assim, e se, na verdade, a linha dele foi só desencadeado pelo "Efeito Borboleta" causado pelo inocente curioso que assistia a briga dos garotos no cinema e ficou abaixo do lustre, ou ainda se os gatilhos foram os cinegrafistas amadores que filmaram tudo e expuseram o policial? Mas será que a causa não foi a simples escolha de tomar umas cervejas antes de comprar sapatos? Mas falando nisso, quem é que planejou esse casamento e chamou Tim? Não serão eles os verdadeiros pisadores na borboleta? Nunca saberemos. (Viu como a Teoria do Caos fica clara quando vemos exemplos?).
1.2) colocar Luke no tanque após terem ficados bravos com ele, levando-o ao máximo do teste e desencadeando sua capacidade telepática foi o evento inicial para que ele conseguisse escapar do Instituto. Ou será que foi... ou será que foi... não vamos mais brincar disso, porque é imprevisível demais, mas vocês entenderam a ideia. Certamente, para a Sra. Sigsby e Stackhouse, tudo começou quando não decidiram deixar passar o não tão impressionante BDNF de Luke Ellis.
Se brincarmos de caçar eventos, o livro de King vai nos levar à loucura, mas a verdade é que toda história é só uma série de desencadeamentos e King certamente sabe desenovelá-los magicamente. A verdade é que Luke Ellis poderia não ser tão inteligente, ou Tim poderia não ser tão heroico, assim o Instituto ainda estaria de pé. E se estivesse, será que a guerra da Rússia contra Ucrânia teria mesmo começado em 2022?
2) O segundo ponto que me chama atenção é, e claro, o BDNF.
O Fator Neurotrófico Derivado do Cérebro é um termo bem científico, né? Então é claro que vou obter minhas informações de bases confiáveis e científicas, assim como sei que King fez e isso não é um ataque ao autor, é apenas minha própria pesquisa para entender o que é isso e onde entrou a ficção científica de Stephen.
O BDNF é um polipeptídeo (uma proteína) que atua no metabolismo energético e medeia o comportamento de alimentação. Ele promove diversos processos cerebrais importantes, tais como diferenciação de neurônios (o que significa pegar uma célula-tronco indiferenciada e torná-la especialista em ser neurônio), neurogênese adulta (geração de células nervosas na fase adulta) e, muito importante, plasticidade neuronal.
A plasticidade fenotípica (de características morfológicas, basicamente) dentro da biologia é uma área muito interessante que basicamente trata de características que podem responder ao ambiente e mudam para levar a uma maior chance de sobrevivência do indivíduo. A plasticidade neuronal mediada por BDNF é estudada principalmente visando o tratamento de desordens alimentares e obesidade, já que essa proteína possui uma capacidade de moldar as vias relacionadas a esses comportamentos (para uma revisão sobre a expressão de BDNF e sua influência no balanço energético leia mais no artigo intitulado The lighter side of BDNF em: <The lighter side of BDNF | American Journal of Physiology-Regulatory, Integrative and Comparative Physiology>). Mas, basicamente, mexer com os níveis de BDNF levam a mudanças na morfologia dos neurônios e, portanto, suas funcionalidades.
No hipotálamo, região central do cérebro, o BDNF está ligado a questões de memória e aprendizado, por seu envolvimento com a sinaptogênese e plasticidade sináptica. A sinapse é o espaço entre uma célula nervosa e uma célula excitável, ou seja, que é capaz de responder a um sinal nervoso. Portanto, BDNF é capaz de modular a capacidade com que as células nervosas mandam seus impulsos, melhorando a performance com que esses sinais são lidos, além de atuar na capacidade desses impulsos voltarem ao encéfalo, o que nós entendemos como memória, que nada mais é do que a capacidade dos neurônios de guardar as informações vindas pelas sinapses, ou seja, armazenar o aprendizado.
Foi mostrado em estudos que mesmo após uma depressão endógena de BDNF (essa proteína está pouco presente no organismo de forma "natural", intrínseca), terapias de adição de BDNF consegue recuperar o potencial do organismo de aprender. Quanto à memória, ainda precisa-se de mais estudos, mas a base de BDNF e sua relação com transtornos de memória (como Alzheimer - memória intelectual - e Parkinson - memória funcional/motora) se dá porque BDNF controla a sobrevivência dos neurônios que são alterados nessas doenças.
Porém, seguindo a máxima da toxicologia: tudo na dose errada pode ser tóxico, então BDNF em excesso mostra-se como um inibidor do processo de aprendizado (para uma revisão sobre BDNF e sua influência no aprendizado, memória e terapias de desordens do Sistema Nervoso Central leia mais no artigo intitulado A simple role for BDNF in learning and memory? em: <Frontiers | A simple role for BDNF in learning and memory? (frontiersin.org)>).
Toda proteína só existe porque algum gene possui as informações para fazê-la. Geralmente (fica aí a dica) as proteínas e genes são homônimas. O gene BDNF possui um polimorfismo natural que é associada à susceptibilidade à desordens neurodegenerativas. Falando menos biologês: um gene com polimorfismo natural nada mais é do que um gene que apresenta variabilidade genética entre as pessoas, ou seja, pessoas nascem com um tipo de gene e outras nascem com outro. As diferenças entre esses genes podem ser importantes se gerarem proteínas diferentes, o que leva a uma forma diferente do corpo responder aos estímulos dessa proteína. Não vou me alongar nisso, mas basicamente, populações diferentes de seres humanos apresentam proteínas BDNF diferentes. Um estudo feito entre populações asiáticas e caucasianas mostrou que as asiáticas possuem a versão do gene BDNF que apresenta-se mais suscetível à desordens neurodegenerativas em maior frequência (para quem curte polimorfismos e heterozigose e quiser ler mais sobre, recomendo o artigo intitulado BDNF Polumorphism: A Review of Its Diagnostic and Clinical Relevance in Neurodegenerative Disorders em: <BDNF Polymorphism: A Review of Its Diagnostic and Clinical Relevance in Neurodegenerative Disorders - PMC (nih.gov)>). Puxando um pouco para o senso comum, os japoneses e os estadunidenses são os que apresentam maior heterozigose (as duas versões) de BDNF, ou seja, será que isso tem algo a ver com inteligência e memória desses países?
Enfim, com esse pano de fundo científico sobre BDNF, ver que ter BDNF demais pode ser um problema quando se fala de aprender e memorizar, mas Luke tinha um BDNF baixo, o que vai em conjunto com suas altas capacidades cognitivas. Quando ele adquiriu sua capacidade telepática, a lógica científica diria que seu BDNF aumentou de alguma forma, ou seja, ele teria que perder parcialmente seu potencial de pensar, o que claramente não aconteceu.
Além disso, o BDNF é um gene expresso a vida inteira, então se existirem fatores ambientais que possam aumentar ou diminuir essa expressão, essa proteína vai estar mais ou menos presente no organismo, o que pode levar às alterações fenotípicas dos neurônios e sinapses. Portanto, sim, existe uma base para melhorar capacidades cognitivas a partir de alterações dos níveis de BDNF. Assim como o aumento excessivo de BDNF levou às desordens comportamentais vistas nos vegetais. Ou seja, todas as mudanças psicológicas nas crianças têm lógica dentro de um experimento que levaria a cada vez mais abuso e produção de BDNF a fim de aumentar a telepatia e telecinesia das crianças. Nisso eu bato palmas à lógica de King, porque, é claro, ele partiu de algumas extrapolações de experimentos científicos reais para criar um cenário em que BDNF aumenta, poderes sobrenaturais aumentam, e a pessoa apodrece.
3) O terceiro ponto que vou tratar é a telepatia e a telecinesia.
É redundante falar que esses elementos são da ficção científica. Caminhando com o conceito de BDNF, essas capacidades sobrenaturais existiram em crianças que possuem um BDNF acima da média, ou seja, que suas capacidades mentais são elevadas. Essas capacidades elevadas conseguiriam transmitir os estímulos nervosos do organismo para além das fronteiras corporais individuais, manifestando-se então ou em estímulos que caminham da pessoa para matéria inanimada (telecinesia) ou da pessoa para outro cérebro (telepatia).
A base na história de King é que as luzes Stasi são capazes de despertar e engatilhar as capacidades telecinésicas e telepáticas das crianças que, naturalmente, já as possuem. Mas o que são essas luzes? Bom, na verdade, o conceito do mundo real que o escritor incorporou à história foi Stasi, que era uma instituição do governo nazista alemão. Eles eram responsáveis pela vigilância política da nação e também por serviços de espionagem estrangeiros. Eles também sequestravam e executavam desertores do sistema, além de monitorar a vida familiar dos civis (leia mais em: <Stasi | Meaning, Facts, Methods, & Files | Britannica>). Na história de King, os estudos alemãs feito com os cativos dos campos de concentração foram capazes de desenvolver um método de estudar as forças sobrenaturais de telepatia e telecinesia, criando um protocolo de como lidar com essas características. No meio disso tudo, essa organização teria descoberto as luzes Stasi, que são os pontos que as crianças experimentam quando estão com sua telepatia e telecinesia estimuladas. Essas luzes seriam as manifestações físicas do incentivo à proteína BDNF de ser expressa (produzida) ou ativada a fim de alavancar os poderes sobrenaturais. Esse elemento fantasioso é a base que faz com que as crianças se tornem armas para o Instituto.
Se as luzes fossem reais, então na verdade são apenas o proxy (uma medida indireta para algo que não pode ser de fato medido) da telecinesia/telepatia para avaliar sua atividade e a intensidade das cores seria um gradiente que aumenta à medida que a habilidade é mais forte. Crianças que já possuem um BDNF alto não precisavam de tantos estímulos, enquanto as que tinham pouco passavam por mais testes para alavancar seus potenciais, ou seja, sofriam mais para ver as luzes.
Tudo bem, já entendemos que as luzes Stasi são só efeito colateral para um BDNF mais alto, mas e a vela em forma de estrela? Como dito pela história, ela é o gatilho que une todas as mentes dos diversos Institutos e os incentiva a levar à cabo à morte de um alvo. Como essa manipulação mental aconteceria?
Eu acredito que King, aqui, recorre à famosa ideia de hipnose. Hipnose é fácil de entender: trata-se de uma terapia psicológica em que se usa um objeto de movimento repetitivo para induzir pessoas a um estado de subconsciência em que seria capaz acessar alguns comportamentos e remodelá-los. As pessoas submetidas à hipnose estão num estado em que sua atenção é extremamente focada, mas seu reconhecimento periférico é baixo, ou seja, elas prestam muita atenção ao que lhes é dito, mas não sentem direito o ambiente ao seu redor. Isso as torna sugestionáveis.
Acredite ou não, mas hipnose é um conceito científico que é usado para tratamentos como controle de ansiedade e dor e parece ativar de fato áreas do cérebro que não estão sob resposta durante o estado consciente (leia mais no artigo intitulado Functional Changes in Brain Activity Using Hypnosis: A Systematic Review em: <Brain Sciences | Free Full-Text | Functional Changes in Brain Activity Using Hypnosis: A Systematic Review (mdpi.com)>). A vela seria o gatilho para as mentes das crianças se unirem a influenciarem o comportamento do alvo, portanto seria o ritual da mão da pessoa mostrar a vela acesa que introduz o estado de transe hipnótico nas crianças. Agora, como as mentes se unem, isso ficaria mais fantástico ainda, mas podemos imaginar que como elas todas estão sendo controladas ao mesmo tempo, seria como se elas entrassem todas na mesma frequência cerebral.
Eu acho que é óbvio que não existe tal coisa como mentalizar na mesma frequência que outra pessoa. Isso seria a base para a telepatia comunicativa, por exemplo, que seria sintonizar seu cérebro ao de outra pessoa e conseguir compartilhar informações com ela. Se essa frequência compartilhada fosse real, então a vela seria o gatilho para juntá-las e os vídeos que as crianças assistem sobre o alvo seria o que mais fresco tem em suas mentes, direcionando-as a atingi-lo. A lógica se fecha em si, claro, como sempre falo que acontece em ficções científicas. Caso não tenha lido ainda, minha postagem sobre "827 - Era Galáctica" trata um pouco mais sobre a possibilidade de se tornar telepata ou não (leia em: <827 - Era Galáctica - I. J. Ozimov (Isaac Asimov) (opiniosliterarias.blogspot.com)>).
Uma vez desbancada a telepatia pelo simples fato de as nossas frequências cerebrais não serem como ondas do mar que se propagam para além de nosso encéfalo, a telecinesia vai na tabela. Na verdade, a telecinesia seria ainda mais difícil, porque diferente da interação dessas ondas cerebrais com um objeto do mesmo material que o seu, elas teriam que ser capazes de interagir com um material inanimado. Embora no livro seja tratado como mais comum, eu não creio que assim o seria. Parece mais fácil interagir com algo igual (cérebro e cérebro) do que com uma xícara, por exemplo, que é feita de partículas de quartzo, que por sua vez nem possui carbono, mas sim silício como elemento aglomerante. Eu entendo que o argumento que telepatia seria mais raro se dá pelo fato de que o cérebro de outra pessoa tem "vontade própria" (consciência), isso é, seria mais difícil de influenciar e/ou acessar, mas partindo de um ponto exclusivamente químico, proteína interage muito mais fácil com proteína do que com um mineral (juntar patinho e fraldinha para fazer hambúrguer é bem mais fácil que juntar uma mosca-de-banheiro (Psychoda cinerea) ao rejunte do azulejo quando a matamos).
Bom, em suma, esse livro é ótimo (!) e me levou a conhecer um pouco mais sobre neurociência. Eu não tratei nada de ciências humanas nessas minhas reflexões porque, simplesmente, essa parte King domina e enclausura de tal forma que todas as reflexões que tive são explícitas ao longo do texto. Eu tenho certeza que todos vão ter empatia com as personagens, mesmo as que trabalham para o Instituto. No fundo, não dá para julgar ninguém que acha que está fazendo o que é certo. Pode-se, claro, julgar o certo e errado, o que é mais ou menos ético. Eu, por exemplo, concordo que colocar a vida de crianças em risco não vale a pena pelo possível cenário do "E se o mundo acabar daqui a cinquenta anos". Mas eu sei plenamente que algumas pessoas concordam que esse seria um mal necessário. Essas questões se tornam morais quando pensamos "e se fosse meu filho ou irmão", e essa é a graça de se aventurar pelas questões filosóficas por trás das tomadas de decisões das pessoas. Mas, de qualquer forma, não me alongarei mais nesse texto, acho que essas questões ficam para cada um refletir o que acha do futuro da humanidade o que cada um está disposto a oferecer para a sobrevivência da espécie.
Eu sei que estou disposta, com certeza, a continuar escrevendo e repassando meus pensamentos para àqueles que quiserem conhecer, a fim de pelo menos contribuir com a cultura. Não falo aqui cultura num sentido elitista, mas sim no sentido de compartilhamento de informações e persistência daquelas que forem úteis, enquanto, naturalmente, o tempo e gerações farão questão de descartar as que não forem.
Obrigada pela leitura e espero que sua próxima aventura literária seja melhor que a anterior!
Abraços.
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