Northanger Abbey - J. Austen

 Olá, como vai? Hoje eu vou falar sobre um livro que nunca nem pensei em ler, porque achei que era um romance bem dos românticos, já que é escrito por Jane Austen. Acho que mesmo quem não conhece muito sobre o universo literário, sabe que ela é uma escritora de novelas românticas que se passam na Inglaterra lá atrás, que na real, era a contemporaneidade dela. Bom, eu li esse livro em sua língua original e confesso que não foi tão fácil porque o inglês britânico antigo tem umas palavrinhas não tão usadas atualmente. Mesmo assim, foi que foi e acho que posso falar um pouquinho sobre o que eu achei dele. E lembrando, como sempre, há spoilers.

Para o começo, então, vamos ver um pouco sobre Jane Austen. A primeira coisa curiosa sobre ela que eu achei é que por mais que seus livros sejam tomados por algumas mulheres como guias para obter seu amor, com suas páginas e representações cinematográficas arrancando lágrimas até hoje, ela nunca se casou (se quiser saber mais sobre a vida amorosa dela, leia em: <Jane Austen in Love | Jane Austen's House (janeaustens.house)>). Jane Austen nasceu num vilarejo da Inglaterra e sua família tinha um bom círculo de relações, o que levava Jane a passear, tanto por Londres quanto por Bath, Clifton e outros lugares, o que gerou na Jane as personagens e histórias que ela viria a retratar. Os trabalhos de Jane Austen são assunto de pesquisas acadêmicas até hoje e analisam sobre como ela retratava a mulher classe média britânica do final do século XVIII e começo do século XIX. Ela escreveu muitas novelas antes de conseguir publicá-las de forma anônima e seus livros fizeram bastante sucesso assim. Suas histórias relatavam o realismo doméstico e cheias de sarcasmos, ironias e críticas leves, conquistaram o povão vencendo o melodrama das antigas obras. Ela morreu, aos 42 anos, e, só então, seu irmão Henry disseminou o nome Jane Austen como a autora das histórias que conquistaram a Inglaterra. Ela criou um tipo de realismo literário conhecido como 'comedy of manners' que traduzido seria: comédia das maneiras/costumes. Isso é, uma novela em que há sátira sobre a realidade, ou seja, uma ridicularização dos costumes da época em que ela vivia (leia mais em: <Jane Austen | Biography, Books, Movies, & Facts | Britannica>).

Vamos, então, para a história. A nossa personagem principal se chama Catherine Morland e o herói da nossa história é o Henry Tilney. A gente acompanha, como o esperado pela escrita de Jane, a história de Catherine, uma garota não-brilhante, não-excepcional e que à priori, não tem nada de heroína. Isso é falado no livro logo no começo. Catherine também é retratada como inocente, simples, que não é sagaz e que, claramente, não enxerga para além do superficial. Ela é uma garota boa, educada e gentil, mas não é inteligente, não é perspicaz e não é objetiva. Ela simplesmente vive a vida dela e é levada para Bath por um casal de amigos para ser introduzida à sociedade. Lá nessa viagem, ela conhece outras personagens importantes da história: Isabella e John Thorpe e Eleanor e Henry Tilney. Também conhecemos o irmão de Catherine, James. 

A primeira destas personagens que Catherine conhece é Henry, pelo qual ela se interesse logo de cara. Ele some da história e Catherine passa a ser acompanhada por Isabella. Nós também conhecemos logo James e John, que já são amigos, mas que começam a passar muito tempo com Catherine e Isabella, suas respectivas irmãs. Não demora muito para vermos que Isabella está cortejando James, o que é recíproco. Eles se enamoram, porém Isabella cancela os planos de casamento porque encontra um homem mais vantajoso, um capitão irmão de Henry. Isso também não dá certo e até onde termina com nós sabendo, Isabella está sozinha. Quanto a John, ele tinha esperanças que Catherine gostasse dele e fica bem bravo ao saber que seus sentimentos não seriam correspondidos. Catherine conhece Eleanor já sabendo que ela é irmã de Henry e as duas se tornam amigas. Catherine é convidada para passar um tempo na casa dos Tilney, a Northanger Abbey, onde ela aprofunda sua amizade como Eleanor e seu relacionamento com Henry. Após uma estadia tranquila de dez dias, o pai de Eleanor e Henry simplesmente decide que ela deve ir embora e praticamente enxota a garota da casa deles. Ela retorna para a casa dela, fica um pouco chorando as pitangas, mas logo recebe a visita de Henry que esclarece tudo e a pede em casamento. O final feliz é eles se casarem.

Eu sei que esse resumo em um parágrafo da história parece todo corrido e confuso, mas para ser sincera, a história não passa disso. Não é ruim, veja bem, mas tá para nascer uma personagem sem muita profundidade como Catherine. Para ilustrar, vou refletir brevemente sobre a relação dela com os irmãos Thorpe.

1) Catherine e Isabella: Que a Isabella era uma amiga falsa, garota mal-intencionada e interesseira, isso ficou óbvio logo de cara. Só uma pessoa como Catherine, que não conhece maldade nas pessoas, poderia se entregar a tamanho papinho fraco de Isabella. Ela falava que não queria ser cortejada por certo tipo de rapazes, mas fazia questão de chamar seus olhares, responder a eles e fazer joguinhos. Ela falava que amava James, porém se deleitava com os flertes vindo do irmão de Henry. A relação de Catherine e Isabella ressalta como nossa heroína é ingênua e inábil em interpretar a natureza humana. É claro que depois que ela recebe as notícias de que seu irmão tinha sido usado, Catherine fica com um pé atrás, mas ao contar a notícia para os irmãos Tilney, que não se agradam em imaginar seu irmão casando como uma pessoa como Isabella, ela mesma defende suas palavras, dizendo que talvez a ex-amiga se comporte diferente com a família deles. 

2) Catherine e John: A picaretagem de Isabella também é refletida em seu irmão. Ele é um mentiroso, falastrão e interesseiro. Conta vantagens que não tem, como que estava para se casar com Catherine e que o dote dela era gigantesco, trocando para miséria e desgraça assim que ela não o aceitou. Catherine não gostou dele em momento nenhum, mas mesmo assim ela continuava não recusando seus convites e conversas. Isabella e John atrapalharam os encontros de Catherine com os irmãos Tilney e tentaram de todas as formas manipular os irmãos Morland para si, o que não foi bem sucedido porque uma hora Catherine percebeu suas artimanhas. Em algum momento, Catherine de fato levanta a cabeça para o que acontecia, mas mesmo assim, não foi uma grande reviravolta da heroína outrora ingênua, mas apenas uma atitude que mais se deveu à paixão por Henry e à amizade por Eleanor do que qualquer outra coisa.

Já com os irmãos Tilney, embora não picaretas e mal-intencionados como os Thorpe, eles são letrados, inteligentes e sarcásticos, algo que Catherine não é. As relações são bem-intencionadas, mas é óbvio que Catherine não acessa o mesmo universo que Eleanor e Henry, o que só a coloca num papel de garota simples e que sempre vai perder alguma parte da história toda. Todas as trocas sarcásticas, principalmente vindas de Henry, não são captadas por Catherine. O tipo de inteligência e humor do herói não é compreendido pela heroína, o que gera a maior estranheza para o leitor, porque eles não combinam. A verdade é que o romance entre eles é muito mais um fascínio de Catherine e, de alguma forma, uma gratidão de Henry por ser bem-visto por ela, mas não mais que isso. Eu não sei como um casamento se mantém entre pessoas que não conseguem apreciar de fato a beleza que o outro tem por ser quem é. Henry caçoa do jeito ingênuo e ignorante de Catherine, que por sua vez não é sagaz nem para entender a crítica dele, então como isso pode dar certo? Eles não seriam apreciados de fato por suas naturezas e isso é estranho como final feliz.

Mas a verdade é que, como é dito no livro, a nossa heroína não era para ser heroína. Sua volta derrotada para casa (após ser expulsa), não é a clássica volta triunfante. A falta de problemas na sua vida, a falta de um assalto na estrada, a falta de um herói verdadeiro que a ame e entenda, tudo isso é muito estranho. Catherine gosta de ler novelas e ela leu as heroínas. E foi aí que eu entendi tudo. O pulo do gato dessa história é que ela não é real. Eu nunca li nada de Jane Austen, mas pelo visto suas histórias são boas porque suas personagens são plausíveis, reais, e suas reviravoltas são factíveis. O que gera no leitor engajamento, já que ele se vê representado. Porém, com Catherine, nada disso é real. Acho que Jane Austen nessa obra não está só caçoando dos costumes da sociedade britânica, mas das próprias histórias de amor. É fato que muito livro não tem pé, nem cabeça, mas termina com um casal junto e parece que isso basta. Olhe todos os elementos ridículos da história:

1) Uma heroína boba, inocente e, via de regra, comum. Uma personagem que nos perguntamos: por que merece uma história? Catherine não aprende nada demais na sua história, não muda, não amadurece.

2) Um herói tosco, que não salva ninguém de nada. Um homem que simplesmente aceita as circunstâncias e só consegue casar com Catherine porque sua irmã Eleanor se casa e o poder de seu marido faz com que o pai dos Tilney repense sobre as condições financeiras da família Morland e permita o casamento. Não quero reforçar machismos aqui, mas para uma história do começo do século retrasado, que homem banana, hein.

3) Um casamento entre pares que não se dão bem. Um casamento improvável e não do tipo "bonitinho" dos filmes, mas do tipo real improvável. Se pensarmos que Jane Austen é famosa por realismo, esse casal é de um mundo irreal. Ele não se manteriam no nosso mundo, então ela só pode tá brincando.

E ela está. Claro que está. Ao longo do texto, nós temos comentários da própria autora. E ela costuma aparecer para enfatizar a falta de elementos que normalmente aparecem nas novelas românticas. Isso só ressalta seu tom irônico, mostrando como é fácil escrever uma novela romântica irreal, porque é só seguir uma cartilha de coisas improváveis juntas que geram o final improvável que faz com que o leitor escape da realidade. Talvez uma sonhadora se encante por esse casal, que é improvável do começo ao fim, que tantas coisas ficaram no caminho (embora nada sério demais e que foi resolvido por qualquer um que não o casal principal), mas a questão é esse casamento não existiria. As pessoas são pessoas e ninguém consegue ficar com alguém que não reconhece as suas qualidades e apenas aprecia a ideia que tem de você. Não porque o outro não consegue manter a fantasia apaixonada, mas porque você não merece esse tipo de amor.

Eu confesso que essa percepção foi genial. Eu não tava dando nada para um livro da Jane Austen. E calma lá. Não é porque eu não acho que ela é brilhante, eu não conhecia nada dela. Mas porque, se for ser sincera, pensei que era só um monte de romance bobinho para se sentir bem e apaixonada. Eu nem sabia que existia tanta pesquisa acadêmica sobre ela. Porque, se alguém analisa nesse crivo, eu já imaginaria que tem muito mais que só gente se beijando. E, de fato, quando eu chego no final e percebo que o livro foi sobre isso, todo ele ganha sentido. Ao ler e me entreter, fui tranquilamente pelas páginas esperando quando o amor ia nascer logicamente entre Catherine e Henry, quando ia fazer sentido que eles terminassem juntos. E cheguei no final e não fazia. E me perguntei como uma autora tão renomada escreve um livro tão fraco. Mas aí que tá, ele não é fraco por ser fraco, ele é propositalmente fraco, porque Jane Austen genialmente quis assim (ou eu acho que ela quis, né).

E só como um fim interessante: uma coisa que eu descobri ao pesquisar sobre a vida de Jane Austen é que por volta de seus vinte anos, ela se apaixonou por um rapaz com o qual não se casou porque, por sua natureza prática, e também porque poderia significar o fim de sua carreira, eles simplesmente não tinham o financeiro suficiente para uma vida confortável. O motivo porque Catherine e Henry demoram a se casar é porque o pai de Henry acha que a família de Catherine é miserável e não combina com sua família bem-afortunada. Será que, oito anos depois (quando Jane escreveu essa história) ela usou de alguma forma a sua própria realidade? 

Bom, eu acho que essa história me serviu para aprender a nunca julgar um livro pelo meu próprio senso comum que surgiu só na minha cabeça. E também, para perceber como é ridículo sequer acreditar que um amor entre partes que nunca vão se conhecer e apreciar de verdade, que nunca, de fato, vão se acessar e enxergar a beleza do outro ser o outro, pode dar certo. Se nem em páginas, embora o papel aceite e eternalize o que quer que você escreva nele, parece certo, que dirá na vida real. E com essa reflexão, finalizo por hoje e espero que sua próxima leitura seja gratificante. 

Tchau.

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