(Parte 2/3) Coma e emagreça com ficção científica - I. J. Ozimov, G. R. R. Martin e M. H. Greenberg (org.)

 Olá fãs de leitura!

Vamos continuar a falação sobre os contos de ficção científica para perder uns quilos, nem que seja dando risada ou pensando (embora ambas as atividades não despendam tantas calorias assim...).

Bem-vindo(a) à segunda parte:

8º Conto) O homem que comeu o mundo - Frederick Pohl

Pensa num conto que me deixou confusa por muito tempo. Ele começa já numa confusão só e até agora eu ainda não compreendi 100% do universo em que ele se passa, embora fique claro que é um futuro na Terra em que, por um tempo, houve uma super produção que forçou a criação de uma casta de indivíduos consumidores. Eles eram forçados a consumir um mínimo de produtos por dia. Depois que essa super produção foi controlada, os consumidores tiveram seu fardo aliviado, porém um consumidor desenfreado continuou com seus hábitos. Isso gerou problemas para os governos ao redor da Ilha Guardião Norte que tinham seus produtos tomados por Anderson Trumie, o único habitante humano da Ilha e, portanto, o governante da Ilha. 

Até parece fácil agora que resumi, mas para ser sincera, não foi explicado o porque dessa super produção, nem como ela foi controlada. Assim como não foi explicado porque os governadores não poderiam fazer nada contra as demandas de Trumie, apenas deixando que ele tomasse as coisas sem iniciar uma batalha. Talvez nesse futuro a guerra seja impossível, ou o equilíbrio de consumo será quebrado. Vai ver a guerra incentiva o sentimento de posse e essa posse incentiva a compra e consumo, então o que esteja por trás de lidar com Trumie de forma pacífica seja uma forma de manter o planeta em sua forma sustentável, o que não parecia ser antes. Mas assim, isso é minha suposição, porque o conto mesmo só fala que isso tava acontecendo, que não acontecia mais e que, agora, a única forma de lidar com Trumie é chamando um psicólogo, Roger Garrick, para a ilha mais próxima (Ilha do Pescador), de forma a tratar a mentalidade perturbada desse consumidor desenfreado. 

A Ilha Guardião Norte é uma miscelânea de produtos que lembra muito uma terra dos sonhos de qualquer criança. Os brinquedos tomam conta de tudo para seu mestre, Sonny Trumie, que é um bebezão em forma de gente. Por conta de sua criação como uma criança parte dos consumidores, ele não aprendeu a parar seu consumo, então ele pega tudo que vê pela frente, o que também é refletido em seu comportamento: comendo até passar mal e descansando apenas o suficiente para ser capaz de comer mais, vomitando no processo se necessário. 

Roger tem a ajuda de Kathryn Pender e, juntos, eles vão até o território de Sonny para poder confrontá-lo e livrá-lo do fardo de consumir sempre e cada vez mais, o que eles conseguem. No começo do conto, há uma passagem sobre a infância de Anderson, em que descobrimos qual o trauma que lhe causou tamanho problema com consumo: ele só queria mesmo era possuir um ursinho de pelúcia, Teddy, que ele não podia mais consumir porque já tinha passado da idade. Como naquele universo da infância de Sonny, o consumo tinha que ser alto, as pessoas não podiam se dar ao luxo de não consumir a sua cota, e Teddy não fazia mais parte da cota de Sonny. Roger percebeu que esse seria o gatilho para começar a resolver os problemas de consumo de Sonny, então Kathryn se veste de um urso de pelúcia gigante e deixa que Sonny deite em seus braços e aprecie sua companhia, o que começa a resolver os traumas de infância do grande consumidor e faz com que ele perceba que não é preciso consumir tudo, mas sim consumir aquilo que de fato se deseja. 

O conto não é ruim, embora seja cheio de buracos que expliquem o que de fato estava acontecendo, mas é natural num conto. Contos são curtos e, se se cria uma realidade complexa, fica difícil de explicar todo o pano de fundo, mesmo. De qualquer forma, ficou confuso, sim. Não a mensagem final, mas a história como um todo.

Na verdade, a analogia é bem clara: num mundo capitalista, o consumo é incentivado a variar com sua idade e, um sistema de produção que visa o lucro necessita que o incentivo ao consumo seja eficiente porque, se não, os produtos se acumulam e isso é perda de dinheiro. Olha só exemplos fáceis de como isso nos manipula diariamente:

1) Nós somos crianças e brincamos de boneca. Nós somos adolescentes e preferimos a tecnologia. Nós somos adultos e preferimos drogas. Nós somos idosos e optamos pela televisão. A gente muda nossos gostos ou o mundo tem a mais a ver com isso que nós mesmos? 

Só porque eu tenho 22, será que não posso brincar com o cavalinho Upa-Upa do Gugu? Cara, a pista Ataque do Tubarão sempre foi um sonho meu, embora me contentasse com brincar com a do meu primo. Como eu não tenho grandes problemas de consumo, e brinquei com a pista, isso não me gerou um trauma, mas se eu pensar um pouco, algumas coisas dever ter gerado traumas em minha infância porque eu não podia consumir. Isso é natural e acontece com todos nós. Que pais não sabem que restringir demais só vai gerar uma rebeldia no futuro? 

2) Nós temos um celular funcional, mas que começa a pifar magicamente depois de dois anos. Mas não há espaço para desespero, já foram lançados pelo menos três modelos mais novos que lhe servirão melhor, basta comprá-los logo, se não o estoque vai acabar! O que é engraçado, porque você corre para comprar e na semana seguinte eles já lançam um novo porque, aparentemente, o seu já não é tudo isso.

A questão é que a gente só consegue se satisfazer de verdade quando temos aquilo que queremos, embora exista toda uma complexidade psicológica que conclui que, ao obtermos o que queremos, deixamos de querê-lo, o que só nos leva à infelicidade porque agora queremos outra coisa. Esse é o paradoxo da felicidade ligada ao consumo, teorizado por Gilles Lipovetsky em sua obra sobre a hipermodernidade (leia mais no artigo em português intitulado A felicidade paradoxal: ensaios sobre a sociedade de hiperconsumo em: <SciELO - Brasil - A felicidade paradoxal: ensaios sobre a sociedade de hiperconsumo A felicidade paradoxal: ensaios sobre a sociedade de hiperconsumo>). Mas não precisamos que nenhum filósofo nos fale sobre isso. Basta lembrarmos daquele chocolate que estávamos morrendo para comer, jurando que ele resolveria todos os nossos problemas, até que comemos a barra e percebemos que não era tudo aquilo, talvez se você tivesse comido com um sorvete, aí sim, seria o ápice. 

Voltando à filosofia para aliviar nossos conflitos éticos, a ataraxia de Epicuro não parece uma má ideia, mas qual de nós é forte o suficiente para abdicar dos prazeres momentâneos a fim de procurar pelo prazer definitivos? Quem de nós quer parar de ter prazer em comida e sexo e preferir o prazer de só uma conversa sobre nossos conflitos? Como bióloga, eu afirmo que fomos selecionados para procurar o prazer das coisas, então sim, é racional e humano encontrar prazer no durável, só não é nada instintivo. 

Por isso que eu acho que mesmo que Sonny cure seu problema de consumo material ao ter uma relação saudável com Kathryn "Teddy" Pender, isso não quer dizer que ele vai ser feliz, apenas, talvez, parar de comer até morrer. 

9º Conto) Gregory da Gladys - John Anthony West

Esse conto é bem interessante e doentio. Eu diria que é o mais mórbido de todos. Ele conta sobre clubes de esposas que engordam seus maridos a fim de ganhar os louros pelo seu esforço. O problema é que o clube também ganha algo: a cabeça do gorducho numa bandeja. Isso mesmo, as esposas competem para ver qual engorda mais o marido e, quando conseguem ganhar, o marido morre para alimentar a comunidade. 

Gladys não tem um marido fácil de engordar: ele pratica exercícios e gosta de comer bem e saudável. Mas suas companheiras de clube passam algumas dicas, convidando para eventos, fazendo todo tipo de artimanha para começar a engordar Gregory, que cede e fica enorme, ganhando a competição dentro de apenas um ano de preparação. Gregory chegou a 498 quilos, um aumento de 429,5kg à base de muita cerveja, batata, mousse de chocolate e castanhas-do-pará. Na real, pelo que é informado, Gregory era extremamente magrelo antes (68,5kg com 1,94m de altura), então com certeza muita comida teve que entrar no corpo do marido de Gladys. Mas o motivador do conto não foi apenas contar essa vitória célebre, mas também para clamar a outros clubes que tomem uma medida sobre o pedido de Gregory ao ganhar: ser servido cru. 

Isso foi demais. Uma coisa é comer carne humana, outra é comer carne humana crua. As pessoas se sentiram revoltadas e desconfortáveis. Isso deveria ser evitado. Uma emenda seria aprovada para que o vencedor não mais escolhesse sua forma de servir à comunidade. 

Esse conto é rápido e bem fácil de ler. Na verdade, não tem muita coisa para se tirar dele, a não ser que qualquer um (com muito empenho e fome) consegue virar um obeso mórbido, e que as pessoas são doentias com seus rituais, porque (é claro que é uma fantasia) eu não duvido que teriam uns doidos que embarcariam na missão de engordar para se deixar comer. A verdade é que o comportamento de bando e a ascensão de cultos é um fenômeno extremamente forte em nós, primatas, e se existisse um clube que disputasse "quem engorda mais o marido", algumas pessoas estariam dispostas a entrar nele por qualquer que fossem seus motivos.

10º Conto) O despachante - William Morrison

Esse conto é sobre um moribundo chamado Ollie Keith que não teve uma vida nada fácil, em que a fome sempre teve papel em sua rotina. Ao andar nas ruas procurando comida, Ollie acha um objeto que acredita ser uma noz. Morrendo de fome, ele a manda pra dentro. A fome só aumenta. Ollie bebe uma garrafa de uísque que não lhe deixa bêbado, come tudo que o servem e mais num restaurante que não lhe deixa menos faminto, participa de um concurso em que come 143 ovos cozidos que não o alimentam. Na verdade, Ollie só perde peso e morre de desconforto abdominal.

Nós descobrimos, então, Zolto e Pojim, seres extraterrestres que perderam o seu teletransportador na barriga de Ollie. É por isso que o cara não engorda e sempre sente fome, tudo que ele come está indo para o planeta natal dos alienígenas, que por sua vez querem comer e não conseguem se alimentar da comida terrestre. Eles capturam Ollie no hospital, antes dos médicos o abrirem para ver o que tem que lhe causa tanto mal, e ficam com ele, vivendo juntos por anos. Ollie não sabe que é o refratário mais seguro que Zolto e Pojim poderiam encontrar para seu precioso teletransportador. Quando Ollie decide seguir sua vida, a operação é feita e a noz é recuperada, o que finalmente acaba com a fome de Ollie. 

O conto é bem legalzinho, acho que vou me atentar a não comer nenhuma noz encontrada na sarjeta, mas de resto, nenhuma reflexão me vem à mente.

11º Conto) O monstro do leite maltado - William Tenn

Esse é o mundo dos sonhos de qualquer criança, seja ela gorda ou não! Imagina poder viver num lugar em que todos te adoram e que você pode comer o que quiser? Eu fiquei lembrando o tempo todo do Willy Wonka declarando que "Tudo aqui é comestível, inclusive eu" e de como eu amava essa cena quando era criança. Doces são o fraco de qualquer pessoa, não é mesmo?

Pois bem, na cabeça de Dorothy, tudo isso é real! Ela tem a capacidade de entrar no próprio imaginário e, ainda mais, de transportar pessoas para lá. É o que ela faz com Carter Braun, que cometeu o erro de manter contato visual demais com a menina. Carter era, na visão de Dorothy, o homem bom, que entrou em seu mundo para brincar com ela e fazê-la companhia. Na nova realidade de Carter, ele não poderia agir diferente. Ao tentar escapar, tudo que conseguiu foi entrar mais ainda na mente de Dorothy, ficando num limbo do qual nunca mais sairia, ou pelo menos não até a sua detentora morrer. 

Esse conto traz uma reflexão sobre os traumas infantis que levam aos comportamentos de Dorothy. Ela não tem pais presentes e nem amigos, então passa muito tempo em seu mundinho sendo adorada pelas crianças que ela imagina, comendo tudo aquilo que deseja. É seu local confortável. Todos temos lugares na nossa mente que nos deixam confortáveis, mas algumas pessoas tem maior tendência a viver neles que outras e isso está relacionado a quanto do mundo real nós gostamos de experienciar ou não. No caso de Dorothy, ela não parece gostar nada do mundo real. Gosta tão pouco que desenvolveu uma relação íntima e forte com seu mundo imaginário que é capaz de tornar-se real para ela e para outros. 

É uma brincadeira legal de se imaginar, que seríamos capazes de viver de fato num mundo criado em nossa cabeça, sem trazer nenhuma consequência para o mundo que compartilhamos com outras pessoas (mundo real), mas ao mesmo tempo, o poder de importar outras pessoas para ele não seria nada legal, porque o que é bom para si, não é bom para outros. Isso acaba com a liberdade do outro, que vira um objeto de sua imaginação, mas sua imaginação vira o único mundo em que aquela pessoa pode viver. Na verdade, seguindo essa analogia, podemos pensar um pouco sobre relacionamentos tóxicos. Vejamos:

Quando pessoa A tem em seu imaginário uma pessoa B que se comporta como C, a pessoa B tem duas escolhas a serem feitas: continuar sendo ela mesma (B) ou assumir a personalidade C. Chamamos de relacionamento tóxico qualquer relação em que um ser humano se anula para tornar-se a pessoa que o outro deseja que ela seja. Claro que Carter não escolheu ser C, mas sim foi forçado a deixar de ser B, mas no mundo que vivemos, muitas pessoas são C. Não vou usar aqui a palavra "mudar", porque eu não acho que ninguém mude a si mesmo para ser o que outra pessoa quer, ela apenas finge que mudou, para a outra pessoa primeiro, e depois para si mesma. Um exemplo disso é que quando o intoxicado deixa a relação tóxica, volta a se comportar como seu verdadeiro "eu". Ou seja, nenhuma mudança foi feita, apenas assumiu-se uma nova personalidade que nunca de fato foi incorporada. 

Um erro comum é pensar que 100% dos relacionamentos tóxicos são planejados, pelo menos em parte, pelo "tóxico". Da forma como vejo, a maioria dos relacionamentos não tem um verdadeiro culpado. Só é composto por uma pessoa que imaginou demais a outra e a outra que se privou demais pelo papel imaginário que lhe foi "imposto". E, na real, todo relacionamento tem um pouco de personalidade imaginada, um pouco de expectativa criada, um pouco de personalidade cedida. 

Esse conto me levou a pensar, também, em quantas situações nós não nos perdemos no imaginário de outras, um local que não temos controle nenhum. Não dá para forçar uma pessoa a imaginar a gente como queremos, assim como não podemos forçar ninguém a atender nossa imaginação. A imagem que criamos dos outros é problema nosso. Agora, a imagem que deixamos os outros criarmos de nós é influenciável. Se você não quer que uma pessoa pense em você como comilona, não faça um banquete na frente dela; se você não quer que uma pessoa te veja como inteligente, não fale das suas paixões científica para ela; se você não quer que uma pessoa espere algo de você, não mostre para ela que ela pode esperar aquilo. É simples assim, não é? O problema é que nós nos deixamos perder motivados pela criação de laços: nós queremos que gostem de nós. Algumas pessoas mais que as outras, é claro. É por isso que amizades sinceras são gostosas. Elas são as que começam despretensiosas, as que a gente não procura agradar, a que a gente mostra quem é. É por isso que namoros são complexos. A gente quer que o outro goste, a gente mostra comportamentos que não normalmente teria, a gente finge gostos que não tem. A gente pode até aprender a ser diferente e gostar da nova versão de si, mas e quando mudar implica em ser contrário à versão imaginária que a pessoa tem de você? Mudar, então, vira um problema porque parece que vai perder aquele vínculo. Mas não mudar é pior ainda, porque é mentir para si mesmo e ninguém é feliz assim.

Encerro então com a seguinte lição para meus futuros dias: saiba sempre quem você é na cabeça dos outros, assim como tome cuidado com quem você se permite ser na imaginação deles. Nas palavras calejadas, mas sábias, de Antoine de Saint-Exupéry "tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas". As pessoas geralmente interpretam essa frase como "você é responsável por aqueles que você atrai", mas ela pode ser interpretada também como "você se torna eternamente responsável ao que você escolhe se aprisionar [cativar no sentido de tornar-se sujeito, preso à]".

12º Conto) Estação Abercrombie - Jack Vance

Esse é mais um conto que brinca com a inversão de padrão de beleza. Em lugares com menor gravidade que a Terra (e uma biologia diferente), gordura excessiva pode não ser o mesmo que problemas de saúde e, se esse for o caso, será que ser gloriosamente gordo não seria o mesmo que ser belo?

Esse conto mostra a história da humana Jean Parlier que é selecionada (num plano funesto) como potencial futura esposa de Earl Abercrombie, o herdeiro da Estação Abercrombie. Essa estação é um playground de ricos no espaço, em que a população se permite ser o mais gorda possível. Jean vai para a estação trabalhar como faxineira e procura chamar a atenção de Earl para que ela a tome como esposa. Mas Earl não quer saber das magrinhas, ele mesmo é magro e abominado por todas as mulheres que tenta cortejar. Ao decorrer do conto, nós descobrimos que Earl tem dois irmãos mais velhos: Hugo e Lionel e quatro mais novos que ele. O pai dos sete Abercrombie morreu enquanto o primogênito, Lionel, estava fora da estação e Hugo, o segundo na linha de sucessão, estava morto. Earl ganha tudo. Descobrimos, também, que quem contratou Jean para seduzir Earl foi Lionel, numa tentativa de que pudesse reconquistar a estação de forma legítima após a aquisição da herança pela esposa de Earl e a morte dele. 

Mas isso não é necessário, porque Jean descobre que Hugo não está morto, mas sim criogenizado por Earl. Jean conta tudo para Lionel e eles juntos vão reivindicar a estação. Earl morre, Jean consegue o dinheiro que ela queria e Lionel sua estação.

O conto é bem normal, na verdade. Ele é uma história sobre vingança entre irmãos, ciúmes, posse e heranças, nenhuma grande reflexão que já não seja gerada por qualquer história nesse sentido. A ganância humana, as loucuras que elas levam, a sedução pela posse, tudo de sempre...

13º Conto) A fazenda alimentar - Kit Reed

Esse conto é sobre um internato que abriga crianças obesas e as força a "entrar em forma". Esse é outro conto que fica bem confuso, mas basicamente, fala sobre as loucuras que as pessoas podem chegar para perder peso e como, se alguns limites são passados, não é mais possível voltar atrás.

Existe uma personagem nesse conto que se chama Tommy Fango, que é um cantor. Existe também um termo que é "estar ligada", o que eu não entendi o que quer dizer. O tal do Fango canta músicas e as pessoas ficam com vontade de comer. Ele desperta atração nas jovens garotas, que sentem o maior prazer do mundo em comer e ouvir sua voz. A gente descobre que Tommy vive procurando uma musa gorda para si, então meio que a música dele tem um quê de lavagem cerebral para engordar as mocinhas com o propósito de Tommy encontrá-las. O negócio de estar ligada é menos óbvio. Eu achei que era algo a ver com ouvir o rádio que toca as músicas de Tommy, mas a personagem principal, Nelly, fala de se ligar quando para de come demais, então não sei se seriam como entrar/sair de um estado de compulsão alimentar. 

Além do conto ser confuso, achei bem besta. Nelly é mandada para o internato pelos pais para ser forçada a emagrecer após repetidos episódios de compulsão em que chegava a pedir comida na rua. Lá ela conhece Ramona, que vira sua amiga. Num dia, Tommy Fango vai cantar para as moças do internato. Nelly é proibida de ir, o que a deixa enfurecida. Ela inicia um motim. As meninas tomam o local e ganham sua liberdade. Nelly vai à procura de Fango e descobre que ele a procurara. Agora que ela estava ali, magra, ele não a queria mais. Eles decidem, então, trabalhar num projeto de internato que engorda as meninas, a fim de que alguma desperte o interesse do cantor. 

O conto tem um quê mórbido no final, em que descobrimos que Ramona e Nelly mantêm a enfermeira-chefe de seu antigo internato, assim como os pais de Nelly, numa rigorosa dieta de engorda, como forma de vingança e punição. Bacana, novamente, a mesma coisa de punir com comida e como comer demais se origina de comportamentos compulsivos. O conto também trata sobre gatilhos para compulsão alimentar, mas é tudo tão desconfortável de ler porque é confuso que a crítica não ficou bem feita. 

14º Conto) O artista da fome - Scott Sanders

Esse conto brinca com conceitos de lavagem cerebral e consumismo. Basicamente, ele conta a história do pintor de murais (ou céus como é tratado na história) Sir Toby Moore que é extremamente talentoso e extremamente gordo. 

Nesse futuro da história, a cultura de shopping é fortíssima (não que não seja hoje em dia). Toby é um morador de um shopping que se torna cada vez mais apaixonado por comida: sua arte atual é envolta por alimentos, com ondas de purê e nuvens de pipoca. Ele é patrocinado pela MEGA S.A., uma holding que possui tanto clínicas de emagrecimento quanto redes de fast-food. No final, por influência de sua namorada, Lyla Bellard, Toby descobre que a empresa para a qual ele produz murais os adultera para influenciar a fome das pessoas, forçando-as a entrar num looping de comer e depois embaraçando-as com propagandas de emagrecimento, atuando em ambas as pontas do efeito sanfona. E, é claro, faturando muito com isso. 

A história é legal porque nos faz  pensar sobre como as empresas e o "mercado" não se importam nem um pouco com os meios para se obter dinheiro. Se a manipulação de nossos sentidos fosse possível no nível que acontece no conto, eu não duvido nada que os governos não teriam voz, nem tampouco interesse, para freá-la. A manipulação de nossos impulsos já acontece em certo grau pelas propagandas, que usa teoria de jogos e manobras de marketing para comercializar cada vez mais. Existe muita neurociência e psicobiologia por trás da forma como as empresas vendem e fabricam seus produtos, porque no fundo elas querem nos atingir e nos ganhar. Cabe a nós, porque o interesse é único e exclusivo nosso, nos cuidarmos para não entrar tanto no jogo que elas criam. Isso porque entrar nele nos leva a ficar doentes, tanto de corpo quanto de mente. 

Assim como Toby no final do conto, nós temos que nos afastar um pouco da poluição do capitalismo para começar a entender tudo que ele nos causa. Todos os comportamentos que ele nos impulsiona, todos os sentidos que nos são forçados goela à baixo para que consumamos mais e mais, sem sequer existir necessidade biológica para isso. Toby percebe que não sente fome o tempo todo, que na verdade eram seus murais manipulados que o levavam a pensar em comida 24h por dia. Trazendo um pouco para nossa realidade: você está mesmo com fome, ou a notificação do IFood oferecendo 10% de desconto só chegou numa hora de tédio em que você estava rolando o feed do Insta e vendo as pessoas comendo um donut com corpos sarados? Queria eu que o boicote que Toby pretende aplicar na MEGA S.A. pudesse ser feito nos grandes conglomerados desse nosso mundo extremamente globalizado e, dentro dos maiores paradoxos "pega-trouxa" do capitalismo, severamente centralizado.

15º Conto) Ex-viciados LTDA - Stephen King

O conto do Rei do Terror fecha esse livro. Como não poderia deixar de ser, porque estamos falando de Stephen King, esse conto tem um quê de suspense e morbidez. 

Nesse conto, conhecemos uma firma que promete a cura para o vício em tabaco de qualquer pessoa. O preço a se pagar não é barato, e também não é apenas monetário. Se a pessoa dentro do programa cometer o erro de dar uma tragada sequer, uma punição física é feita nos seus entes queridos e, futuramente, em você mesmo. Com o tempo, a ansiedade outrora aliviada pelo fumo começa a ser aliviada pela comida. Mas isso não é um problema para a empresa, que também vai te fazer entrar "em forma" porque, se não, que sua esposa perca o mindinho. 

Esse conto é legal e tem a mesma pegada do conto de Orson Scott Card, que é: comportamentos compulsivos dificilmente são vencidos com força interna. Na verdade, se você parar para pensar, as história de quem para de fumar costumam ser sobre algum ente que morreu para o fumo, ou que morreu clamando para que a pessoa parasse de fumar. Alguma coisa trágica tem que acontecer para que o comportamento pare. Qualquer episódio de quilos mortais é a prova viva que algo muito trágico tem que acontecer para tirar o compulsivo da inércia. Geralmente, só a ameaça de morte eminente, sua ou de terceiros, é motivo sério o suficiente para frear os hábitos compulsivos de fumar/comer. 

Sem punição direta, sem sentir o efeito na pele, nossas mentes são especialistas em encontrar argumentos para justificar nossos hábitos não-tão-nocivos-assim. Como qualquer bom brasileiro sabe "só muda quando a água bate na bunda". Por que somos assim? Por que temos que sentir as consequências para fazer algo? Não é que não reconheçamos as consequências. Uma pessoa que se permite um comportamento compulsivo e danoso não é burra. Ela sabe que faz mal, ela sabe que não deveria fazer. Ela vê todos os argumentos contrários e muitas vezes concorda com eles. Mas isso ainda não é mais forte do que o impulso para fazer. 

O impulso para um hábito pode vir de muitos lugares: um trauma, uma tentativa de ser aceito por um grupo, uma válvula de escape. Fumar e comer, por exemplo, são hábitos muito relacionados à ansiedade. Beber é muito relacionado à depressão. São válvulas de escape. Mas nem todo mundo fuma, bebe ou come demais porque quer fugir de algo. E, se o faz, não quer dizer que parará de fazê-lo depois que o problema for solucionado. O que inicia um hábito compulsivo não necessariamente é o que o mantém. O problema é que se começa um hábito compulsivo em um momento de fragilidade, em que tudo parece valer a pena para lidar com nossa fragilidade. Aí a coisa vira um problema sozinha, porque agora a pessoa tem que lidar com o comportamento que criou, com o hábito que se permitiu adquirir. Por exemplo: nem todo adolescente que bebe porque todo mundo está bebendo se tornará bêbado, mas aquele que se torna, não precisará que mais ninguém esteja bebendo para tomar uma. 

Uma lição para se tirar é: nunca se pode estar consciente demais da merda em que se mete. Até porque, procurar a ajuda de doidos capazes de machucar se você comer uma bomba de chocolate também não é nenhum brinquedo.

Bom, chegamos aqui ao final do décimo quinto conto e, portanto, o fim da parte 2!

Espero que sua próxima leitura seja a parte 3 e que ela seja gratificante! 

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